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Abemaciclib adjuvante combinado com hormonioterapia para câncer de mama inicial de alto risco

Harbeck N, Rastogi P, Martin M, et al.

Ann Oncol 2021; 32:1571-81

 

Resumo e comentários

Heloísa Helena Rengel Gonçalves

Alfredo Carlos S. D. Barros


Desde a introdução dos inibidores de aromatase (IAs) em 2000, ocorreram poucos avanços significativos na terapia hormonal de tumores com receptores hormonais positivos (RH+). O aparecimento dos inibidores de quinases dependentes de ciclina (CDK4 e 6) administrados junto à terapia endócrina foi um destes e melhorou os desfechos para o câncer de mama (CM).

O monarchE é um trial fase 3, randomizado, que comparou a terapia endócrina (TE) adjuvante por um mínimo de 5 anos, com ou sem abemaciclibe (inibidor de CDK 4 e 6), por 2 anos. Foi conduzido em pacientes RH+, HER2-, com tumores iniciais de alto risco e linfonodos positivos. O alto risco foi definido por uma série de fatores clínicos e anatomopatológicos, como status linfonodal, tamanho tumoral, grau e proliferação celular (Ki67) ≥ 20%.

O monarchE atingiu seu endpoint primário quando abemaciclibe + TE demonstraram melhora significativa na sobrevida livre de doença, em comparação com TE isolada. Aqui, são apresentados resultados de dois momentos do estudo: 1) análise do desfecho primário pré-especificado e 2) análise de seguimento adicional.

 

Métodos


O estudo incluiu mulheres e homens, com tumores iniciais RH+, HER2-, com alto risco de recorrência de acordo com fatores clínico-patológicos. A coorte 1 incluiu pacientes com ≥ 4 linfonodos positivos, ou 1-3 LNs positivos e pelo menos um dos seguintes critérios: tumor ≥ 5cm ou grau histológico 3. A coorte 2 foi incluída um ano após a coorte 1 e incluiu pacientes com 1-3 LNs positivos, tumores < 5cm, grau <3 e Ki-67 ≥ 20%. Estimou-se sobrevida livre de doença em 5 anos de 82.5%.

As pacientes foram randomizadas na proporção 1:1 para receber abemaciclibe mais TE ou TE isolada por 2 anos, sendo a TE prescrita pelo tempo mínimo de 5 anos, e foram estratificadas por realização de quimioterapia prévia, status de menopausa, e procedência. O abemaciclibe foi administrado oralmente em dose de 150mg 2X ao dia. A terapia endócrina foi feita através de tamoxifeno ou IAs, com ou sem supressão ovariana.

O nível de Ki-67 foi definido por amostras do tumor, usando imuno-histoquímica. Foi usado o anticorpo anti-Ki67 e um reagente negativo para controle. Os resultados foram interpretados por patologista certificado usando um algoritmo padronizado. O corte definido foi de 20%.

O desfecho primário pesquisado foi a sobrevida livre de doença invasiva (SLDI). Os desfechos secundários foram: 1) sobrevida livre de recorrência distante (SLRD), 2) sobrevida global (SG), 3) SLDI em pacientes com tumores com Ki-67 alto e 4) segurança do tratamento.

 

Análise estatística


A análise do endpoint primário foi programada para quando fossem atingidos 390 eventos de SLDI. A SLDI foi testada sequencialmente, com valores de P de 0.0424 e 0.0426, nos grupos de Ki-67 alto e na coorte 1 com Ki-67 alto, respectivamente. Uma análise exploratória avaliou a SLDI nas pacientes com Ki-67 < 20%. Um seguimento adicional foi realizado até abril de 2021, quando a maioria das pacientes já haviam completado ou descontinuado o tratamento.

Para desfechos relacionados à eficácia, o modelo de Cox de risco proporcional estratificado foi usado para estimar o efeito do tratamento por hazard ratio (HR). Foi realizada uma análise exploratória para estimar o hazard ratio anual estratificado para SLDI e SLRD.

 

Resultados


Um total de 5.637 pacientes foram randomizadas para receber abemaciclibe + TE ou TE isolada. Foram 2.808 pacientes no grupo de abemaciclibe + TE e 2.898. Do total, 5.120 foram incluídas na coorte 1; dentro desta, 37,4% tinham Ki67 baixo, 23,5% tinham Ki-67 indefinido, e 39,1% tinham Ki67 alto. De todas as pacientes 44,3% tinham Ki-67 alto. Na coorte 1, a frequência de tumores grau 3 foi maior em pacientes com Ki-67 alto, já a proporção de pacientes com ≥ 4 LNs positivos foi maior em pacientes com Ki-67 baixo.

A média de seguimento aumentou de 19 para 27 meses com o seguimento adicional. Cerca de 17% descontinuaram o tratamento antes dos 2 anos, por diversos motivos, incluindo efeitos adversos, decisão da paciente, decisão do médico, etc.

 

Eficácia


Aos 19 meses de seguimento, o grupo abemaciclibe + TE demonstrou benefício clínico significativo no desfecho SLDI. Houve ganho absoluto de 3% nas taxas de SLDI após 2 anos (92,3% versus 89,3%). Abemaciclibe + TE demonstrou benefício significativo no desfecho SLRD, correspondendo também a uma diferença de 3% em 2 anos (93,8% versus 90,8%).

Com 27 meses de seguimento, o benefício do abemaciclibe se manteve para SLDI e SLRD. As curvas de Kaplan-Meier continuaram demonstrando o benefício do abemaciclib, mesmo além dos 2 anos do estudo. Houve ganho absoluto em SLDI de 5.4% e 4.2% em SLRD.

A análise estratificada do HR anual demonstrou que houve benefício crescente em SLDI para cada ano de seguimento (HR 0-1 ano: 0.80, HR 1-2 anos: 0.68, > 2 anos: 0.60). Também houve benefício progressivo em SLRD.

 

Eficácia de acordo com nível de Ki-67


Abemaciclibe + TE reduziram o risco de recidiva em 31% nas pacientes com Ki-67 elevado. Houve ganho absoluto de 4.5% de SLDI nesta população. No seguimento estendido, o ganho foi ainda maior, de 6%. Nas pacientes com Ki-67 alto, houve redução de 36% do risco de desenvolver recorrência distante. Na população com Ki-67 baixo, também foi observado benefício, sugerindo que este é independente do nível de Ki67.

 

Segurança


Foram observados mais efeitos adversos no grupo que recebeu abemaciclibe. Os efeitos mais comuns foram: diarreia, neutropenia e fadiga. No grupo de TE isolada, os efeitos mais comuns foram: artralgia, fogachos e fadiga. Dentro as pacientes do grupo A+TE, 6.5% descontinuaram o tratamento devido a efeitos colaterais, contra 1.1% do grupo de TE isolada.

 

Discussão


O benefício observado na SLDI reflete que o abemaciclibe foi eficaz em prevenir recidiva precoce em pacientes com alto risco. Recidivas precoces representam doença resistente à terapia endócrina que pode persistir mesmo com o tratamento adjuvante completo. A alta taxa de recidiva de doença invasiva no grupo de TE isolada (16.6% após 3 anos) demonstra que o estudo incluiu, de fato, pacientes de alto risco.

Maior seguimento é necessário para determinar o efeito do abemaciclibe em recorrências tardias. O seguimento para definir o benefício em sobrevida global ainda está em andamento.

Dois estudos investigando o uso de palbociclibe, outro inibidor de CDK4 e 6, em pacientes com tumores RH+, não demonstraram benefício em SLDI. O estudo PALLAS incluiu 5.760 pacientes com doença estágio II-III e o Penelobe-B incluiu 1.250 pacientes com doença residual após QT neodjuvante. Apesar de estes estudos terem incluído pacientes com diferentes riscos, não houve benefício do palbociclibe mesmo no subgrupo de alto risco. O tempo de uso também foi diferente, sendo de 1 ano no Penelope-B e de 2 anos no PALLAS.

No Penelope-B, a diferença numérica favorecendo o palbociclibe nas taxas de SLDI não foi sustentada com o passar do tempo e o estudo não demonstrou benefício significativo.

Uma explicação para as diferenças entre o palbociclibe e o abemaciclibe é a posologia, pois o abemaciclibe é administrado diariamente, enquanto o palbociclibe é administrado diariamente por 3 semanas, seguido de 1 semana de pausa. Pode se especular que a administração contínua tenha maior importância para eliminar células micrometastáticas do que macrometástases, cenário no qual tanto o abemaciclibe quanto o palbociclibe tem eficácia comprovada.

O uso de Ki-67 na prática clínica é desafiador devido à alta variabilidade entre observadores e a falta de um ponto de corte padrão. O benefício do abemaciclibe foi observado independente do valor de Ki-67, sugerindo que este não é preditivo de benefício. O Ki-67 alto foi indicador prognóstico de recorrência.

 

Conclusões


Abemaciclibe adjuvante em combinação com terapia endócrina demonstrou melhora significativa em SLDI para pacientes com tumores iniciais, RH+, HER2-, com axila positiva e alto risco de recorrência. O Ki-67 foi um indicador prognóstico para recorrência mas não foi preditivo de eficácia do tratamento. O benefício foi observado mesmo após o seguimento estendido, com um perfil de segurança tolerável.

 

Comentários


O que são CDKs (cyclin dependent kinases)?

Quinases são enzimas que incorporam fosfato em proteínas, nos aminoácidos tirosina, serina e treonina (fosforilação). Ciclinas são proteínas que controlam a progressão do ciclo celular. Quinases dependentes de ciclinas, são enzimas que vão fosforilar proteínas, uma vez ativadas por ciclinas, e bloquear sua ação.

A proteína do retinoblastoma (pRB) é supressora tumoral, bloqueia a passagem para fase S do ciclo celular por inibir a ação do transcritor E2F (modificação de histonas e remodelação da cromatina). Livres de pRB, os E2Fs promovem transcrição, mas quando fosforilados são expulsos do núcleo para o citoplasma e não funcionam.

Normalmente no câncer de mama, no sistema receptor de estrogênio - ciclina D1 - CDK 4 e 6 - pRB, ocorre aumento de ciclina D1 que liga-se a CDK 4 e 6, fosforila a pRB, liberando o fator transcritor E2F, tudo isto favorecendo a progressão da divisão celular da fase G1 para S. Quando existe a hormonioterapia do câncer de mama a redução inicial de atividade deste sistema é seguida por fase de reativação de CDK 4 e 6.

Os inibidores de CDK 4 e 6 (abemaciclibe, palbociclibe e ribociclib) impedem a fosforilação da pRB. Sem dúvida, com o uso dos inibidores de CDK 4 e 6, estamos diante de dados que mudam paradigmas de conduta. Em pacientes de alto risco para disseminação metastática, a associação de abemaciclib com a terapia endócrina convencional é vantajosa e deve ser empregada, a despeito de alguns efeitos colaterais.

 

Leitura suplementar sugerida


- Goetz MP, Toi M, Campone M, et al. MONARCH 3: abemaciclib as initial therapy for advanced breast cancer. J Clin Oncol 2017; 35:3638-3646.


- Hortobagyi GN, Stemmer SM, Burris HA, et al. Updated results from MONALEESA-2, a phase III trial of first-line ribociclib plus letrozole versus placebo plus letrozole in hormone receptor-positive, HER2-negative advanced breast cancer. Ann Oncol 2019; 30:1842.


- Mayer EL, Dueck AC, Martin M, et al. Palbociclib with adjuvant endocrine therapy in early breast cancer (PALLAS): interim analysis of a multicentre, open-label, randomised, phase 3 study. Lancet Oncol 2021; 22:212-222.


- Torres-Guzman R, Calsina B, Hermoso A, et al. Preclinical characterization of abemaciclib in hormone receptor positive breast cancer. Oncotarget 2017; 8:69493-69507.


- Torres-Guzman R, Ganado MP, Pérez CM, et al. Abemaciclib, a CDK4 and 6 inhibitor with unique pharmacological properties for breast cancer therapy. J Clin Oncol 2021; 39:e12506.

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