Depósitos tumorais extranodais na gordura axilar em pacientes T1-T2 N0 com linfonodo sentinela...
Depósitos tumorais extranodais na gordura axilar em pacientes T1-T2 N0 com linfonodo sentinela positivo
Mamtani A, Barrio AV, Goldman DA, et al.
Ann Surg Oncol 2020; 27:3585-92
Comentários: Alfredo Carlos S. D. Barros
Introdução
Depois dos estudos ACOSOG Z0011 e AMAROS, alguns pontos práticos tiveram sua importância salientada, como extensão microscópica extracapsular e depósito de tumor extranodal (DTE), na gordura axilar, em pacientes com linfonodo sentinela (LS) positivo.
O impacto dos DTEs nas pacientes compatíveis de seguir as condutas do ACOSOG Z0011 não é conhecido. O objetivo deste artigo foi pesquisar a incidência de DTE, fatores de risco a ele associados, e sua possível influência na extensão de doença linfonodal.
Métodos
A pesquisa foi feita no MSKCC de Nova York, com pacientes clinicamente estadiadas como T1-T2 N0 e tratadas por dissecção linfonodal axilar (DLA) ou biópsia de LS (BLS).
DTE foi definido como o achado de foco de carcinoma de mama na gordura axilar não contíguo a um linfonodo.
Regressão logística univariada e multivariada foi feita para examinar a associação de DET como extensão de doença dos linfonodos, em pacientes com um ou dois LS positivos.
Resultados
Entre 2010 e 2018, 1114 pacientes consecutivas (T1-T2 N0) foram tratadas com DLA ou BLS; 895 foram mastectomias e 219 cirurgias conservadoras.
Cento e treze (10,1%) tiveram DETs, das quais 81 (71,7%) corresponderam a êmbolos tumorais intravasculares e 32 (28,3%) a depósitos de tecido mole.
Pacientes com DETs tiveram tumores maiores (tamanho mediano 2,2 cm vs 2,1 cm; p: 0,03), mais frequentemente invasão linfonodal extracapsular (83,2 vs 44,0%; p < 0,001), 3 ou mais LS positivos (36,3 vs 14,8%; p < 0,001), linfonodos não-sentinelas positivos em DLA (85,8 vs 44,3%, p < 0,001). A proporção de 4 ou mais adicionais linfonodos não-sentinelas nas DLAs foi bem maior no grupo com DETs (58,4% vs 12,7%; p < 001).
Na casuística total, por análise univariada, a presença de DTE esteve associada com 4 ou mais linfonodos não-sentinelas comprometidos (OR: 9,66; IC 95% 6,36-14,68). Em análise multivariada a OR foi de 5,67; IC 95% 3,53-9,08).
Não houve significante interação entre extensão microscópica extracapsular e DTE (p: 0,78).
Considerando-se os dois tipos de DET, não houve diferença com relação à chance de 4 ou mais linfonodos não-sentinelas positivos: êmbolos tumorais intravasculares - OR 5,61 e depósitos de tecido mole - OR 5,83.
Foram repetidas estas análises em 925 casos de um ou dois LS positivos, obtendo-se resultados semelhantes. Em análise univariada a presença de DETs esteve relacionada com 4 ou mais linfonodos não-sentinelas infiltrados (OR: 11,75, IC 95% 7,00-19,72). Na multivariada também DET foi altamente preditiva de 4 ou mais linfonodos não-sentinelas comprometidos (OR: 7,15; IC 95% 4,04-12,67).
Discussão
Esta pesquisa pela primeira vez demonstrou que a presença de DET é fator preditivo de extensa doença linfonodal com 4 ou mais linfonodos não-sentinelas positivos, inclusive nos casos elegíveis para conclusões do ACOSOG Z0011 com um ou dois LS positivos.
A conclusão do ACOSOG Z0011 está baseada na eficácia no manejo da axila com LS positivo sem DLA, sendo que 27% dos casos que fizeram DLA tiveram doença linfonodal adicional e 14% tiveram 4 ou mais linfonodos não-sentinelas positivos. Admitiu-se que a radioterapia e a terapia sistêmica foram suficientes para neutralizar a repercussão da remanescência de doença. Frente a DET estas cifras sobem para 86 e 58% respectivamente.
Na casuística aqui apresentada, com um ou dois LS afetados, 56% tiveram 4 ou mais linfonodos adicionais comprometidos.
Conclusão
É bem possível que frente a DET, mercê da associação com grande extinção de envolvimento linfonodal não seja seguro se omitir a DLA. Acreditam os autores que é preferível considerar DLA, mesmo nos casos elegíveis para o ACOSOG Z0011, quando houver DET.
Comentários (Alfredo Carlos S. D. Barros)
Este trabalho acrescenta mais incertezas com relação à generalização que tem sido proposta para a aceitação das conclusões do ACOSOG Z0011. Ao contrário da extensão microscópica extracapsular, que foi critério de exclusão de casos, pacientes com presença de DET (visto em aproximadamente 10% das pacientes com LS positivo) na gordura axilar, tem sido tratadas sem DLA, o que não pode ter sido prejudicial. É muito elevada a chance de 4 ou mais outros LNs afetados.
Tenho insistido nos últimos anos para os inconvenientes das conclusões generalizadas do ACOSOG Z0011, além da falha metodológica do estudo, devido ao seu baixo poder estatístico. Faltam particularizações, fundamentais para Medicina de Precisão, tipo taxa de LNs comprometidos sobre o número de retirados, tamanho da macrometástase no LS, associação de macrometástase com parâmetros moleculares desfavoráveis e DET.
Mamtani e Morrow escreveram agora sobre o ACOSOG Z0011 que “a one-size-fits-all approach may not always be applicable”. Enfim!
Os dados aqui apresentados salientam a importância de novos estudos com subgrupos específicos de pacientes para avaliar taxas de sobrevida livre de doença regional e sistêmica. Por ora, mesmo os adopters das conclusões do ACOSOG Z0011 não deveriam omitir a DLA havendo DET.
Comentário importante: os DETs precisam ser procurados com atenção para serem encontrados. No exame intraoperatório seu achado é muito difícil, porque praticamente não proporciona uma pista macroscópica, mas no exame em parafina, toda a gordura axilar retirada junto com os LSs precisa ser incluída para exame.
Leitura complementar
- Giuliano AE, Ballman KV, McCall L, et all. Effect of axillary dissection vs no axillary dissection on 10-year overall survival among women with invasive breast cancer and sentinel node metastasis: the ACOSOG Z0011 (Alliance) randomized clinical trial. JAMA 2017; 318:918-26.
- Donker M, van Tienhoven G, Straver ME, et al. Radiotherapy or surgery of the axilla after a positive sentinel node in breast cancer (EORTC 10981-22023 AMAROS): a randomised, multicentre, open-label, phase 3 non-inferiority trial. Lancet Oncol 2014; 15:1303-10.
- Mamtani A, Morrow M. ASO author reflections: refining risk assessment in node-positive breast cancer patients eligible for sentinel lymph node biopsy alone. Ann Surg Oncol 2020; 27:3593-4.