Impacto do consumo de adoçantes artificiais no risco de câncer
Debras C, Chazelas E, Srour B, et al.
PLoS Med 2022; 19:e1003950
Resumo e comentários
Jéssica Ribeiro Gomes
Antonio Carlos Buzaid
Os adoçantes artificiais vêm sendo cada vez mais utilizados na indústria alimentícia, porém a sua segurança e o seu real impacto nas doenças crônicas e no risco de câncer ainda não é bem estabelecido.
Métodos
O estudo avaliou prospectivamente 102.865 adultos provenientes de uma coorte de população francesa (NutriNet-Santé) (2009 - 2021), com seguimento mediano de 7,8 anos. A ingestão alimentar e o consumo de adoçantes foram obtidos por meio de registros alimentares regulares de 24 horas.
A associação entre adoçantes e incidência de câncer foi avaliada por modelos de riscos proporcionais de Cox ajustados por idade, escolaridade, atividade física, tabagismo, índice de massa corpórea, altura, ganho ponderal durante seguimento, diabetes, história familiar de câncer, número de registros de dieta de 24h e ingestão basal de energia, álcool, sódio, ácidos graxos saturados, fibras, açúcar, frutas, vegetais, alimentos integrais e laticínios.
Resultados
Os indivíduos considerados altos consumidores de adoçantes artificiais (valor acima da exposição mediana) apresentaram aumento global do risco de câncer da ordem de 13%, quando comparados aos não consumidores (HR 1,13; IC 95% 1,03-1,25; p=0,002). O maior impacto foi na incidência de câncer de mama, independente do status menopausal (HR 1,22; IC 95% 1,01-1,48; p=0,036), e dos cânceres associados à obesidade (HR 1,13; IC 95% 1,00-1,28; p=0,036). Estes incluíram os tumores de origem colorretal, gastroesofágica, hepática, oral, laringofaríngea, mamária, ovariana, endometrial e prostática. Contudo, quando analisado isoladamente, não se observou associação com o câncer de próstata (HR 1,26; p=0,274).
Os adoçantes mais correlacionados a esse aumento foram o aspartame (HR 1,15; IC 95% 1,03-1,28; p=0,002) e o acessulfame-K (HR 1,13; IC 95% 1,01-1,26; p=0,007).
Discussão
O estudo apresentou uma grande coorte prospectiva com razoável período de seguimento. Seus resultados sugerem que os adoçantes artificiais, tão amplamente utilizados mundialmente na indústria alimentícia, podem aumentar significativamente o risco global de câncer, com destaque para o câncer de mama.
Embora essa correlação não tenha sido observada com a sucralose (apenas com aspartame e acessulfame-K), esta informação deve ser avaliada com cautela, pois o consumo de sucralose na população estudada foi considerado muito baixo (da ordem de 10% somente) em comparação com os outros dois adoçantes. Stevia não foi incluído pois não era utilizado na época do estudo.
Como limitações do estudo, os autores citam um possível viés de seleção (tendo em vista tratar-se de uma coorte de população francesa voluntária), potenciais fatores conflitantes eventualmente não analisados e causalidade reversa.
Os autores discutem então a importância de novos estudos em grande escala para ratificar esses resultados e confirmar a ausência de segurança dos adoçantes artificiais.
Conclusões
Em análise prospectiva de coorte com 102.865 adultos com seguimento mediano de 7,8 anos, o consumo de adoçantes artificiais se correlacionou significativamente com o aumento do risco de câncer, em especial o câncer de mama e os cânceres relacionados à obesidade.
Comentários
O câncer de mama possui vários fatores de risco, como menarca precoce, menopausa tardia, não amamentação, nuliparidade, reposição hormonal, contraceptivos orais, história familiar e pessoal de câncer de mama/ovário, presença de mutações germinativas deletérias específicas, entre outros.
Além de todos esses fatores, atualmente sabe-se que os hábitos de vida, como a alimentação baseada em uma dieta inflamatória (rica em carboidratos livres e carne vermelha), bem como sedentarismo, obesidade e ingestão de álcool, também contribuem para o aumento do risco de câncer de mama.1-3
O papel dos adoçantes no desenvolvimento do câncer tem sido sugerido ao longo dos anos. Em estudos pré-clínicos, o consumo desses adoçantes se correlacionou a uma modificação do microbioma intestinal (disbiose),4-7 o que, por sua vez, parece estar relacionado ao aumento do risco de câncer.8,9
Em um grande estudo prospectivo com 101.257 indivíduos (também provenientes da coorte da NutriNet-Santé), já tinha sido observado um aumento do risco global de câncer associado ao consumo de bebidas açucaradas (HR 1,18; IC 95% 1,10-1,27; p<0,001), com destaque para o câncer de mama (HR 1,22; IC 95% 1,07-1,39; p=0,004). O consumo de sucos naturais de frutas também aumentou o risco de câncer nesse estudo (HR 1,12; IC 95% 1,03-1,23; p=0,007).10 Isto provavelmente se deve à elevada carga glicêmica dos sucos de frutas.
Nesse sentido, o presente estudo reforça ainda mais o impacto da alimentação no risco do desenvolvimento de câncer, ao demonstrar um aumento significativo da incidência de câncer com o alto consumo de adoçantes artificiais, incluindo o câncer de mama.
Sendo assim, tendo em vista tratar-se de fatores de risco tão relevantes e tão facilmente modificáveis, é imperativa a discussão com o paciente sobre o impacto da dieta no risco de surgimento e recorrência do câncer. Desta forma, o incentivo a hábitos de vida saudáveis torna-se parte do tratamento do paciente.
Leitura suplementar sugerida
- Castro-Espin C, Agudo A, Bonet C, et al. Inflammatory potential of the diet and risk of breast cancer in the European Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC) study. Eur J Epidemiol 2021; 36:953.
- Mili N, Paschou SA, Goulis DG, et al. Obesity, metabolic syndrome, and cancer: pathophysiological and therapeutic associations. Endocrine 2021; 74:478.
- Dilnaz F, Zafar F, Afroze T, et al. Mediterranean diet and physical activity: two imperative components in breast cancer prevention. Cureus 2021; 13:e17306.
- Suez J, Korem T, Zeevi D, et al. Artificial sweeteners induce glucose intolerance by altering the gut microbiota. Nature 2014; 514:181.
- Hanawa Y, Higashiyama M, Kurihara C, et al. Acesulfame potassium induces dysbiosis and intestinal injury with enhanced lymphocyte migration to intestinal mucosa. J Gastroenterol Hepatol 2021; 36:3140.
- Chi L, Bian X, Gao B, et al. Effects of the artificial sweetener neotame on the gut microbiome and fecal metabolites in mice. Molecules 2018; 23:367.
- Zhen Z, Xiao Y, Ma L, et al. Low dose of sucralose alter gut microbiome in mice. Front Nutr 2022; 9:848392.
- Huybrechts I, Zouiouich S, Loobuyck A, et al. The human microbiome in relation to cancer risk: a systematic review of epidemiologic studies. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev 2020; 29:1856.
- Toumazi D, El Daccache S, Constantinou C. An unexpected link: The role of mammary and gut microbiota on breast cancer development and management (review). Oncol Rep 2021; 45:80.
- Chazelas E, Srour B, Desmetz E, et al. Sugary drink consumption and risk of cancer: results from NutriNet-Santé prospective cohort. BMJ 2019; 365:l2408.