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Mastectomia profilática contralateral após quimioterapia neoadjuvante

Christian N, Zabor EC, Cassidy M, et al

Ann Surg Oncol 2020; 27:743-9.


Resumo: Taís C. Watanabe

Comentários: Alfredo Carlos S. D. Barros

 

Introdução

Atualmente a quimioterapia neoadjuvante (QT neo) se aplica para downstaging da doença na mama, possibilitando a cirurgia conservadora (CC), e na axila, evitando a dissecção axilar (DA), quando são obtidas boas respostas. Apesar de vários trials mostrarem aumento na taxa de resposta patológica completa (RCp) com o uso de quimioterápicos modernos, não observamos aumento significativo nas taxas de CC. Cerca de 40% das pacientes submetidas à QT neo tornam-se elegíveis para o tratamento conservador, no entanto 20 a 30% dessas ainda optam pela mastectomia. Além disso, as taxas de mastectomia contralateral profilática (MCP) após quimioterapia estão crescendo, geralmente a pedido das próprias pacientes.

A MCP pode ser considerada em mulheres com predisposição genética para o câncer, mulheres jovens, e com baixo risco de morte pelo tumor primário. Porém, não aumenta sobrevida geral ou livre de doença para pacientes com câncer de mama unilateral, independente do seu estadio. E o risco vitalício de câncer contralateral é pequeno, principalmente em pacientes submetidas ao tratamento sistêmico moderno.

O propósito desse trabalho é identificar fatores clínico-patológicos associados à realização da MCP após QT neo, e determinar se a resposta influencia a decisão cirúrgica.

 

Métodos

Foi realizada revisão retrospectiva em única instituição. Foram selecionadas mulheres com câncer de mama invasivo unilateral estadios I a III, que receberam QT neo e foram submetidas à mastectomia unilateral (MU) ou bilateral (MCP), entre 2013 e 2017.

A análise dos dados coletou informações como: tamanho do tumor, estadiamento clínico, grau de resposta clínica e imaginológica, e elegibilidade para CC. Foram registradas também as razões para mastectomia e as contraindicações à CC após QT neo. As contraindicações incluíam: carcinoma inflamatório, doença multicêntrica, contraindicação à radioterapia, e doença muito extensa na apresentação inicial. A RPc foi definida como ausência de doença invasiva, independente da presença de CDIS.

Pacientes BRCA mutadas, e as não mutadas com 1 parente de primeiro grau, 2 parentes de segundo grau com câncer de mama, ou qualquer história de câncer de ovário foram consideradas de alto risco para a mama contralateral.

Mediana e intervalo interquartil (IQR), e frequência e percentual foram relatados para análise de variáveis ​​contínuas e categóricas, respectivamente. Para testar as diferenças entre as características clínico-patológicas entre MU e MCP o teste Kruskal–Wallis foi usado para variáveis contínuas e o teste de Fisher para as categóricas. O R software version 3.5.0 (R Core Development Team, Vienna, Austria) foi utilizado para a análise estatística.

 

Resultados

Foram incluídas no estudo 569 mulheres, das quais 297 (52%) foram submetidas à MU e 272 (48%) à MCP.

As mulheres que fizeram MCP eram, em geral, mais jovens, com média de 44 anos (comparado a 53 anos no grupo da MU), apresentavam estadio mais inicial, e tendência a tumores triplo negativos e HER2+. No total, 320 (56%) pacientes realizaram teste genético, foram identificadas 56 pacientes com mutações deletérias em BRCA e 14 com VUS nesse gene. Esses resultados estavam disponíveis antes das cirurgias. Dentre as 14 pacientes com VUS: 50% optaram por MU e 50% por CPM. Dentre as pacientes com painel negativo: 42% fizeram MU e 58% fizeram MCP. Mulheres mutadas em BRCA foram mais propensas à MCP (96,4% x 3,6%) de forma significante (p:0,001).

Vários fatores clínicos pré-operatórios foram associados à MCP. Pacientes candidatas à CC (71%), aquelas que tiveram resposta clínica completa (54%) ou imaginológica, e com status clínico linfonodal negativo (49%) tenderam a realizar MCP.

Apesar da RPc não ser conhecida antes do procedimento cirúrgico aquelas com PCR foram mais propensas a realizar MCP (56%). As pacientes que fizeram MCP apresentaram maiores taxas de resposta imaginológica e PCR e menos necessidade de DA. No geral, a DA foi realizada em 64,1% das mulheres com cirurgia unilateral, comparado a 35,9% no grupo da MCP. Das 41 pacientes que mantiveram comprometimento linfonodal após QT e fizeram DA, 78% fez MU e apenas 22% MCP.

A análise multivariada mostrou que a idade mais avançada da paciente e tumores em estadios mais avançados tiveram menor associação com MCP. O subtipo molecular, doença residual palpável, linfonodos positivos não se associaram à MCP.

Segundo o registro dos cirurgiões, foram consideradas razões para MCP em pacientes elegíveis para CC: mutação em BRCA, alto risco familiar, e preferência da paciente. A preferência da paciente, numa amostra de 203 mulheres, foi apontada como principal razão para mastectomia em candidatas ao tratamento conservador após QT. Ressalta-se que apenas uma minoria (9 pacientes –1,6%) fizeram mastectomia após tentativa inicial de CC com margens positivas.

 

Discussão

Os dados atuais sobre a MCP após quimioterapia são limitados. O estudo mostra que 48% das mulheres submetidas a MT pós QT realizaram cirurgia bilateral.

Idade jovem e doença em estadio inicial foram fatores associados com a MCP, achado similar a outros estudos no cenário da quimioterapia adjuvante. Nessas pacientes é possível obter o maior benefício da cirurgia, ainda que discreto.

Segundo dados do National Cancer Database a MT bilateral aumentou de 8 para 13%, entre 2010 e 2014. Ela é mais indicada em mulheres jovens, e está muitas vezes relacionada à maior cobertura pelo convênio, nível educacional e socioeconômico da paciente.

Na análise univariada a resposta clínica após QT e a biologia tumoral foram associadas com seleção para MCP. Assim mulheres candidatas à CC pré-quimioterapia optaram por MCP, e a resposta não foi preditiva da escolha cirúrgica. Se a paciente está decidida a fazer MCP antes da terapia sistêmica o downstaging da doença não evitará o tratamento radical. No entanto, ainda deve ser indicado para fins de evitar a DA. Independentemente do esquema de tratamento, fatores como idade, status socioeconômico, raça e preferência da paciente estão fortemente relacionados à escolha pela MCP.

Muitos guidelines defendem o tratamento conservador como excelente, sendo seguro e equivalente ao radical em termos de sobrevida. Assim, torna-se necessária maior investigação sobre a comunicação de risco às pacientes e a tomada de decisões compartilhadas. É importante entender os desejos e anseios da paciente que levam à escolha da cirurgia radical e aproveitar o momento de discussão como oportunidade para educação e intervenção. Além disso, pode-se evitar a QT neo se houver baixa probabilidade de mudança na proposta cirúrgica, limitando o benefício da QT como downstaging apenas axilar. Nas pacientes que se tornaram elegíveis para CC, a grande maioria (74%) optou por MCP. A preferência da paciente foi a razão principal para a escolha (67,4%).

Como esperado, a MCP predominou em pacientes mutadas BRCA e naquelas com alto risco familiar. Existe grande benefício na redução da incidência de câncer contralateral nessa população, porém o benefício em mortalidade é em torno de 1%.

A maioria das MCP (69%) foi realizada por outras razões diversas. Não há evidência de que a MCP melhora sobrevida ou sobrevida livre de doença em pacientes sem mutação BRCA, pois mesmo em mulheres muito jovens o risco contralateral é cerca de 1% ao ano.

O estudo tem limitações: a falta informações precisas sobre o processo de tomada de decisão (entre médico e paciente) quando a preferência da paciente influenciou a indicação cirúrgica; foi realizada apenas comparação entre mastectomias, a comparação com a cirurgia conservadora não foi possível; e o trabalho não pode ser generalizado pois trata-se da experiência de uma única instituição.

O estudo indica que 48% das pacientes elegíveis para CC fizeram MCP, e as mulheres jovens com doença inicial foram as mais propensas a realizar o procedimento. Apesar da realização nesse grupo de mulheres ser apropriado, os achados indicam uma perda de oportunidade da CC.

 

Comentários (Alfredo Carlos S. D. Barros)

Tem sido observado em todos os países que cada vez mais as pacientes desejam cirurgia profilática na mama contralateral, geralmente do tipo adenectomia, simultânea à mastectomia/adenectomia no lado afetado. Sabe-se, outrossim, que quase sempre, esta conduta não traz benefício de sobrevida global, à exceção de algumas evidências em pacientes com genes predisponentes de alta penetrância mutados ao nascimento.

O motivo desta procura por cirurgia contralateral profilática está na esperança de melhor qualidade de vida e menor preocupação futura. As decisões precisam ser compartilhadas após esclarecimentos e da apresentação dos inconvenientes e complicações de bilateralidade cirúrgica, especialmente quando se deixa de fazer uma CC que seria segura.

Neste artigo apresenta-se a questão da mastectomia profilática do lado oposto após QT neo. Pensamos que as complicações destas grandes cirurgias bilaterais não são desprezíveis após QT neo, com maior tendência à sangramento cirúrgico e infecção. Tudo isto tem que ser levado em consideração para a decisão de opção cirúrgica.

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